
2024–2025
“Carne da Terra” marcou a entrada da pintura no Museu do Amanhã por meio da pesquisa de Maria Antonia. O projeto foi a primeira exposição solo de pintura de uma artista apresentada pela instituição.
Ao deslocar a carne para o campo da imagem e da matéria, a mostra transformou o espaço em um território imersivo e sensorial, onde pintura, realidade aumentada, esculturas táteis e trilhas sonoras se entrelaçaram para evocar sensorialidade.
Ao propor um corpo que se territorializa na terra e uma carne que se espiritualiza no tempo, "Carne da Terra" é também uma resposta às urgências de um mundo em colapso. Um gesto radical de escuta, onde a artista costura feridas, reimagina futuros e reinventa formas de pertencer.
"Esse universo construído pela artista tem como pedra fundamental pinturas de diferentes formatos, feitas ao mesmo tempo a partir de grandes gestos e pequenos detalhes. Algumas revelam camadas finas de tinta, quase como uma película ou uma pele. Outras se estruturam a partir da densidade, acumulando não só tinta mas também outros materiais, muitas vezes rastros do processo de trabalho de Maria Antonia. São como superfícies ativas, sensível, que ecoam também na escultura-objeto, no centro do espaço. Ela se apropria de certa dimensão orgânica, tátil, assim como as pinturas. Juntas, são obras que parecem não se conformar desde o início com os limites físicos e conceituais estabelecidos pela história da arte."
–– Fernanda Lopes







Como queremos seguir a partir daqui?
por Fernanda Lopes
Mais que uma exposição, Carne da Terra é para Maria Antonia uma proposta, ou um projeto de pesquisa e observação do mundo que se desenvolve no campo da arte a partir do uso da tecnologia. Aqui, tecnologia é entendida como o conjunto de ferramentas e dispositivos considerados os mais inovadores da atualidade. Ao mesmo tempo, também nos remete à sua base, nos lembrando da sua origem: uma palavra derivada do grego antigo, composta por dois termos: Tékhne (τέχνη), que significa "arte", "habilidade", "ofício" ou "técnica"; e Logos (λόγος), que pode ser traduzido como "estudo", "palavra" ou "razão". Considerando sua origem, tecnologia corresponde a um conhecimento, sistematizado formal ou informalmente em métodos, processos e ferramentas disponíveis em uma sociedade, em um determinado momento histórico, articulados com o objetivo de realizar tarefas específicas.
Aqui estamos falando de todo tipo de conhecimento, com todos os avanços ocorridos ao longo dos séculos nos campos da ciência, da engenharia e da comunicação. Esses talvez sejam os mais impressionantes, considerando a complexidade de estudos e equipamentos, além do investimento financeiro que os tornaram possíveis. Mas há também outro tipo de conhecimento, construído a partir de outra complexidade, talvez mais simples, abrigada no dia a dia e no acaso, ao longo da história. Como a pedra lascada, considerada a primeira tecnologia desenvolvida pelo ser humano ainda na pré-história, e a geração de fogo a partir da fricção de duas pedras, possivelmente para afiá-las.
É dessa combinação entre intenção e deriva que se alimenta a exposição Carne da Terra. Como ponto de partida, um pedido pouco usual: por favor, não guarde seu celular para entrar na sala. Ao contrário: aponte a câmera para o QR Code localizado no painel de abertura da mostra e habilite seu aparelho para fazer parte da experiência que Maria Antonia propõe em seu projeto inédito. Há aqui uma sobreposição de telas, ou de camadas – palavras que não à toa nos remetem ao vocabulário da prática pictórica. Pela tela do celular somos convidados a percorrer a exposição vendo as pinturas por um outro ponto de vista. Existem as pinturas em si e, a partir delas, há um acontecimento que se dá na experiência de multiplicação e deslocamento virtual gerado pelo uso de ferramentas presentes em nosso cotidiano, como a realidade aumentada e a inteligência artificial (usada no processo de pesquisa de imagens e na exploração de possibilidades de leitura sobre os temas de referência do projeto).
Esse universo construído pela artista tem como pedra fundamental pinturas de diferentes formatos, feitas ao mesmo tempo a partir de grandes gestos e pequenos detalhes. Algumas revelam camadas finas de tinta, quase como uma película ou uma pele. Outras se estruturam a partir da densidade, acumulando não só tinta mas também outros materiais, muitas vezes rastros do processo de trabalho de Maria Antonia. São como superfícies ativas, sensível, que ecoam também na escultura-objeto, no centro do espaço. Ela se apropria de certa dimensão orgânica, tátil, assim como as pinturas. Juntas, são obras que parecem não se conformar desde o início com os limites físicos e conceituais estabelecidos pela história da arte.
Ao caminhar por esse espaço, o público tem seu corpo, sua percepção ativados por essas obras-estímulo. As pinturas e esculturas pensadas especialmente para essa instalação ganham novos contornos por meio de ferramentas virtuais desenvolvidas para ampliar as possibilidades da pintura a partir da interação com o público. Ao mesmo tempo em que propõem uma experiência imersiva, essas obras se expandem para o espaço, incorporando como parte delas o local onde estão expostas. Por meio do celular, é possível ver as pinturas e o espaço de maneira diferente, com outras camadas. Diferentes elementos e formas parecem se desprender das telas e ganhar o espaço, construindo outras possibilidades de perceber o que está à sua volta. Carne da Terra se apresenta como um ambiente-vivo, que convida o público a ativar sua percepção, explorando outros sentidos para além do olhar. É como se nessa espécie de ópera construída por Maria Antonia, o mundo real, também alimentado pela audição e pelo tato, ampliasse seus contornos ao incorporar o universo virtual.
Esse lugar fantástico de Carne da Terra é o desdobramento mais recente da investigação de mais de 10 anos sobre os limites da pintura e da imagem, construindo ambientes pictóricos e imersivos nos quais o público é convidado a estar presente. Nesta exposição, assim como em sua produção geral, a artista lida com um repertório de imagens que vai desde a história da arte até a ciência, o cinema e a cultura pop, valendo-se de ferramentas como pesquisa na internet e o uso de algoritmos.
Em sua pesquisa, Maria Antonia não nos deixa esquecer que a história da arte é a história da construção de imagens. Desde a pré-história até os dias atuais, foram construídas representações visuais – figurativas ou abstratas, utilizando diferentes materiais e técnicas – que dialogam com as crenças e os valores de diferentes momentos da humanidade, revelando transformações na sociedade e na maneira como percebemos o mundo. As primeiras pinturas rupestres, por exemplo, são ao mesmo tempo representações de cenas da vida e do cotidiano das sociedades pré-históricas, incluindo rituais e crenças, assim como a preparação e o desejo de uma boa caçada, e uma maneira de comunicação e afirmação da identidade cultural e territorial.
Depois dela, a produção artística se interessou pela tentativa de representar o que está à nossa volta exatamente como o vemos, em um elogio à racionalidade humana, mas também abriu caminhos para uma espécie de devoção, para a imaginação, e para a presença do corpo e da cidade. Nesse caminho, chegou, em muitos casos, a abrir mão do seu lugar nos espaços dedicados à arte para estabelecer também como um espaço seu, o mundo que acontece fora dos museus – e com isso incorporando às obras regras eprincípios fora do campo da arte, com os quais teve que passar a lidar. Nessa história, a mão do artista também ganhou desdobramentos, com a participação do espectador e o uso de diferentes equipamentos de construção da imagem, incorporando uma dimensão técnica, com a câmera fotográfica, o computador e o celular, por exemplo. Assim, podemos pensar que a história da arte é também, em última instância, a história de como olhamos para o mundo e da nossa presença nele.
Nesse sentido, talvez não houvesse lugar melhor do que o Museu do Amanhã para Maria Antonia tornar público o projeto Carne da Terra. Configurado como uma exposição, ocupando uma instituição interessada nas artes e nas ciências – ambas no plural – aponta para princípios essenciais para a sua construção: reconhecer os diferentes passados que nos formam, refletir sobre o presente e suas transformações, e, a partir daí, imaginar futuros possíveis. Em sua instalação, Maria Antonia traz para os dias de hoje, questões essenciais da história da arte e da vida comum, e como todas elas se configuram no mundo contemporâneo. Ao evidenciar o campo artístico como espaçoimportante de desenvolvimento de conhecimento, espaço para debate e ferramenta crítica, Carne da Terra não oferece respostas, mas nos ajuda a pensar ao nos colocar diante de perguntas que são quase incontornáveis: Como habitamos o mundo? Como escutamos a terra, o outro, o invisível? E, talvez o mais importante: Como queremos seguir a partir daqui?
Trabalhos apresentados
MONTAGEM I, 2025
Museu do Amanhã
Onde quase tudo deriva, 2025

190 x 390 cm óleo sobre tela

detalhe

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190 x 390 cm óleo sobre tela
Subterrânea, Arqueologia das memórias da carne, 2025

200 x 200 cm Tinta óleo e bastão oleoso sobre tela

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200 x 200 cm Tinta óleo e bastão oleoso sobre tela
À margem do rio, 2025

200 x 200 cm óleo, carvão e pastel oleoso sobre tela

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200 x 200 cm óleo, carvão e pastel oleoso sobre tela
Jaci e Naiá, 2025

200 x 200 cm Tinta óleo sobre tela

detalhe

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200 x 200 cm Tinta óleo sobre tela
Mata Adentro: Se ela deixar, você pode entrar, 2025

200 x 200 cm óleo sobre tela

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200 x 200 cm óleo sobre tela
Fuxico, Jardim I, 2025

200 x 200 cm Óleo sobre tela, grampo e cola de contato

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200 x 200 cm Óleo sobre tela, grampo e cola de contato
Pende com leveza a brutalidade que tece a sobrevivência, 2025

200 x 200 cm Terra roxa, tinta óleo, cera de abelha, bastão oleoso e carvão sobre tela

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200 x 200 cm Terra roxa, tinta óleo, cera de abelha, bastão oleoso e carvão sobre tela
Depois do sopro a barqueira acolhe no escuro, 2025

200 x 200 cm óleo sobre tela


200 x 200 cm óleo sobre tela

200 x 200 cm óleo sobre tela
COSMOS, 2025

200 x 200 cm óleo, couro vegetal BeLeaf e couro de pirarucu sobre tela


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200 x 200 cm óleo, couro vegetal BeLeaf e couro de pirarucu sobre tela
CARNE, 2025

200 x 200 cm Estopa, pigmento, óleo, cerâmica fria e barbante sobre tela

detalhe 200 x 200 cm Estopa, pigmento, óleo, cerâmica fria e barbante sobre tela

detalhe 200 x 200 cm Estopa, pigmento, óleo, cerâmica fria e barbante sobre tela

200 x 200 cm Estopa, pigmento, óleo, cerâmica fria e barbante sobre tela

Ficha Técnica
EXPOSIÇÃO CARNE DA TERRA
Artista Idealizadora
Maria Antonia
Produção Executiva
Marcella Klimuk
Projeto e Captação
Cammila Ferreira
Projeto Expográfico
Gisele de Paula Arquitetura & Cenografia
Texto Apresentação
Fernanda Lopes
Cenografia
Ricardo Souza
Tecnologia e Design de Experiência
Fabio Fonseca
Coordenação Administrativo-Financeira
Thiago Monte
Trilha Sonora
Máximo Cutrim
Iluminação e Sonorização
Boca do Trombone
Assessoria de Imprensa
Marmiroli Comunicação
Transporte de Obras
JG Melo Transportes
Molduraria
Moldurax
Assistente de Expografia
Iolaos Coelho
Alexandra Souza
Anna Carolina Madureira
Marcenaria
Maurício Coelho
Montagem
Instalações Everton Sant’Ana
Laudos Museológicos
Mariane Vieira
Projeto e Execução Elétrica
Inventor Elétrica
Projeto de Emergência
PI Projetos e Instalações
Roteiro Audiodescrição
Jessica Valente
Acessibilidade de Conteúdo
Juliete Viana
Mapa Tátil
Casa do Braille
Design Gráfico
Maia Gama
Comunicação e Mídias
Estúdio Aforma
Fotos
Gabi Carrera
Priscila Jammal
Agradecimentos
Andreia Gomes
Ana Carolina Cerqueira
Anna Beatriz Dodeles
Beatriz Schymura
Bruna Louzá
Caio Costa
Eduardo Souza
Felipe Haiut
Juliana Machado
Kubra Manela
Lara Azevedo
Lurdinha Piquet
Maria Clara Souza
Maria Eduarda Souza
Marina Papi
Marko Martins
Nina Malta
Paula Trabulsi
Pedro Coelho
Priscilla Pacheco
Thaianne Brito
Yolanda Ribeiro
Apoio
Corfix
Beleaf
Mattercraft
Casa do Braille













